Modinha: entre o erudito e o popular

A modinha está nas mais profundas raízes da música brasileira, é  responsável pelo lirismo romântico de nossas canções e pela docilidade, suavidade e amorosidade que encontramos em nossa música.

Entretanto a modinha sempre transitou entre o erudito e o popular, ora tendendo para este, ora para aquele lado, e, em outros momentos, unindo esses dois polos em uma mesma canção.

A modinha nasceu popularmente, em Portugal, originada no meio rural, inicialmente configurando a chamada moda portuguesa e logo chegando aos meios urbanos junto com aqueles que migravam do campo para as cidades, durante o século XVII. (17)

Segundo Rui Vieira Nery, “Na maioria dos países o acréscimo de população das cidades provinha em boa parte de um afluxo crescente de setores do campo, e os novos cidadãos mantinham ainda alguns traços culturais característicos dessa sua origem rural.”.

Devido a isto, nos meios urbanos, a moda portuguesa dá seus primeiros passos à erudição, assumindo formas das canções literárias, das canzones italianas e das suítes, fugas e sonatas dos músicos alemães.

Entretanto, nos alerta Rodney Gallop que: “É certamente difícil dizer até que ponto as canções regionais e urbanas se entre-influenciaram, mas não há dúvida que tal intercâmbio existiu, e existe.

A moda portuguesa também seria levada para a colônia portuguesa da América, integrada ao processo migratório que levou um enorme contingente para o Brasil em busca do ouro e pedras preciosas da região mineradora, no início do século XVIII(18). Neste contexto a moda portuguesa assume feições totalmente populares, e chega a ser chamada de profanas pelos padres brasileiros .

O jesuíta Nuno Marques Pereira, em seu Compendio Narrativo do Peregrino da America, com primeira edição de 1728, nos fala das músicas que ouviu na Bahia, tão alarmantes a ponto de ele exortar: “E que vos direi de ouvir musicas profanas? […] que em nenhuma parte deveriam ser elas mais bem evitadas, e castigadas com duplicadas penas, que neste Estado do Brasil; pelo profano das modas, e mal soante dos conceitos.

A Bahia foi de fato o reduto inicial da moda portuguesa e possivelmente onde esta ganhou o diminutivo “modinha”, como nos sugere Vincenzo Cerniquiaro: “no seu artigo onde ele diz:. [A ‘Modinha’ floresceu na clássica Bahia, onde, aliás, nasceu e foi criada.]”.

A moda portuguesa também se espalhou para outras localidades como Rio de Janeiro e São Paulo, sempre atrelada as camadas mais populares, junto as quais terminou incorporando o lundu, praticado pelos negros da colônia, que seria responsável pela languidez que transformou a moda portuguesa em modinha brasileira.

E foi assim com esta miscigenação de sons que a modinha brasileira, foi para Portugal, onde conquistaria a corte e a sociedade portuguesa.

Chega a Portugal através de Domingos Caldas Barbosa, mulato filho de pai português e mãe angolana, que conheceu tanto a modinha quanto o lundu durante a sua juventude, passada no Rio de Janeiro, onde também desenvolveu seus dotes de improvisador, sempre às voltas com “temas considerados de mal gosto” , que ocasionou o seu  exílio  para a Colônia de Sacramento, onde lutou na defesa daquele território.

É por esse período que a modinha brasileira chega ao auge de sua erudição, quando incorpora a ópera italiana, que lhe atribuiria formas de uma verdadeira ária de corte, e na qual perderia, quase ou totalmente, suas características próprias. Talvez, por este último aspecto, essa fusão não tivesse agradado a todos.

O sucesso da modinha era tanto, que entre 1792 e 1796 o gênero ganhou até mesmo um jornal especializado, o Jornal de Modinhas, com o qual contribuíram também músicos estrangeiros, franceses, italianos e ingleses, levando a modinha a ter edições também no exterior, especialmente na frança.

Mas o sucesso da modinha, no entanto, não se restringiu as camadas altas portuguesas. De acordo com Manuel Morais: “A prática da modinha, percorre todos os grupos sociais, desde a nobreza, a burguesia e indo até o clero chegando o seu uso à criadagem e aos assalariados urbanos.

Talvez esse uso e abuso da modinha, levou-a a um gradativo desinteresse em Portugal, justamente no período em que a família real e a corte portuguesa se transferem para o Brasil, levando junto em suas embarcações a, agora erudita, modinha.

De volta ao Brasil, a modinha é inicialmente apreciada pelas elites, mas aos poucos vai ganhando o gosto de todos, terminando por se popularizar cada vez mais, como nos mostra Mozart de Araújo: “A modinha, ária de côrte, deixava aos poucos a luz dos candelabros, para se expandir sob o céu das noites enluaradas. E desprezava o contraponto do cravo, pelo contracanto dos baixos melódicos dos violões seresteiros.

Todavia, a modinha brasileira é incorporada tanto por músicos populares quanto por músicos eruditos, nacionais e estrangeiros. Joaquim Manoel da Câmara, nem sequer sabia ler partitura, mas teve suas modinhas encontradas na Biblioteca Nacional de Paris, para onde foram levadas por Sigismund Neukomm, discípulo de Michel e Joseph Haydn, que chegou a dar aulas de piano para D. Pedro I, outro grande apreciador de modinhas.

No início do século XX a modinha se populariza ainda mais, auxiliada pelo advento dos fonogramas que levaram os discos ao interior dos lares e com eles as modinhas e os cantores e compositores deste gênero. Foram ainda, muitas as publicações que incluíram ou mesmo que levavam a modinha no nome. Outras, no entanto, embora tivessem o nome “modinha” no título, não apresentavam sequer uma canção do gênero. A modinha, que chegou a se confundir com o lundu e com a ópera, vai agora se diluindo na rítmica da valsa e aos poucos foi se dirimindo totalmente, depois de cerca de dois séculos de existência.

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